Kent, 1.695
Gerard tinha voltado da batalha em Namur com uma das pernas entrevadas e em estado de espírito melancólico.
A época natalina havia passado sem grandes alegrias e comemorações no lar dos Berenger.
Embora tropas inglesas e holandesas tivessem conseguido recapturar uma importante fortaleza em Brabant, a vitória custara um preço alto ao filho mais velho da família.
Eden fazia o possível para melhorar o ânimo de Gerard. Acabava de sugerir que fossem passear de trenó pelo pomar, ou deslizar encosta abaixo das colinas à volta da vida.
Ele recusou a ideia, porém Eden estava determinada a arrancá-lo para fora não só da casa como de dentro dele mesmo.
_ Estou precisando de outra companhia além da dos carneiros _ argumentou ela, puxando-o pela manga. _ Podemos ir até Romney Marsh. Você sempre gostou de pescar na restinga em Dungeness.
Cético, Gerard sorriu.
_ Isso foi antes de ficar ferido.
Quanto a você, duvido que se sinta solitária na vila _ Os rapazes de Smarden mostram-se bem entusi asmados com você.
Eden arqueou as sobrancelhas.
_ Prefiro os carneiros. Os moços daqui são sombrios e sem um pingo de senso de humor e, muito menos, de inteligência.
A maioria é mais capenga do que você, apesar de todos contarem com duas pernas boas _ declarou, disposta a não ignorar o problema físico de Gerard e recusando-se a mimá-lo como o resto da família o fazia.
Prestes há completar dezenove anos, Edem havia aprendido a enfrentar a vida com firmeza,exceto por aquela parte secreta do coração que jamais deixara de chorar pela perda do pai ocorrida há tanto tempo.
_ Está muito frio_ protestou Gerard irritado. _ Esse tempo provoca dor na minha perna.
Eden levantou-se da cadeira à mesa e foi até a lareira onde revirou as achas crepitantes com um espeto de ferro.
_ O sol vai acabar saindo. Aposto como não vai nevar hoje.
Gerard pensava numa outra desculpa quando Cybele e Etiene, com os rostos vermelhos de frio, irromperam porta adentro. Viúva há pouco tempo e com dois filhos, Cybele tinha se tornado gorducha e adquirido contante mau humor.
_ Onde estão nossos pais? _ Perguntou nas feições irregulares.
_ Saíram _ respondeu Eden em tom seco e ao puxar Gerard pelas costas da camisa._ Nós também estamos indo. Vamos mano, dar uma chegadinha na vila como planejamos.
_ Espere Gerard _ determinou Etiene com um gesto nervoso das mãos. _ Umas visitas estão chegando aí.
Deve ser negócio importante, garanto.
Você também, Eden, não saia _ ordenou fitando a irmã adotiva com o olhar malévolo.
_ Etiene tem razão _ aparteou Cybele enquanto pendurava o pesado xale preto num cabide ao lado da porta.
Como sempre, ela se sentia afrontada com a aparência de Eden.
Os cabelos avermelhados caiam-lhe fartos e ondulados pelas costas, a boca bem delineada iluminava-se sorridente ao menor indício de algo engraçado e os olhos enormes, escuros, assentados em distância perfeita um do outro, eram ornados por cílios densos e ficavam sob sobrancelhas bem arqueadas.
Eden também tinha um corpo delgado e pele acetinada, cor de creme, sua estatura era média, porém a silueta esguia provocava a ilusão de ser mais alta. Movia-se com leveza e vivacidade.
"Nem um pouco sóbria," Cybele costumava criticar com aspereza.
O comentário contava sempre com a aprovação de Etiene e Genevieve que gostavam de repetí-lo quando achavam a exuberância de Eden exagerada.
Aliás, era essa alegria, e amor à vida do membro adotivo da família que mais irritava. Até Gerard não mais considerava a personalidade aberta e expansiva de Eden tão atraente como lhe parecera antes da batalha de Namur.
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